sexta-feira, 28 de maio de 2010

O sorriso de Laura

Laura sorria como nunca sorriu antes. Posso dizer isso com autonomia porque eu estava lá, não com aquele mesmo sorriso, nem com os mesmos olhos azuis que brilhavam como um espelho refletindo o sol, mas estava lá, e não conseguia tirar os olhos dela. Sempre quis ter esses olhos brilhantes e Laura sabia tê-los bem.

Laura é o tipo de garota que se você olha de longe a quer por perto. Ela tem um carisma que não se explica nem se ensina. Ao conhece-la melhor, você continua querendo a ter por perto. Olhe para mim: sou o típico exemplo de quem a quer o-tempo-todo-por-perto. Sei que a idéia não parece atrativa, mas esse tipo de atitute a gente simplesmente tem. Tipo o carismo dela.

Acontece que eu sei um segredo de Laura que ninguém seria capaz de descobrir, a não ser que eu fosse ela mesma, o que não é o caso - até onde sei. Talvez valha a pena contar, não sei o que ela acharia sobre isso. O que ninguém sabe, e que eu sei, é algo que se Laura soubesse, não acredito que faria algo a respeito: por teimosia, vaidade ou falta de coragem. Ainda não descobri.

Laura teme a morte. Não é esse o segredo, é apenas algo que lembrei sobre ela. Ela teme sair desse mundo antes de dizer às pessoas o quanto elas são importantes. O quanto as ama. Porque se tem algo que Laura faz, é amar.

Além de amar, ela também se afasta. Eu nunca consegui entender isso direito. Juro. Talvez se eu fosse Laura, entenderia melhor, mas ainda não consegui. Nem ser ela, nem entende-la. Às vezes ela se afunda no seu umbigo e perde de vista quem estava a um palmo na sua frente. E quando ergue a cabeça, já não vê mais ninguém. E então conto o segredo dela: Laura é sozinha.

Ela pode ter a cor dos olhos que eu não tenho, o sorriso contagiante que eu nunca consegui dar, mas o que Laura sempre teve e eu nunca quis foi sua solidão. Não duvido da felicidade dela. Não mesmo. Eu a invejo. Positivamente e negativamente. Eu quero tudo que ela tem: carisma, inteligência, beleza, amigos, talento. Quero tudo. Mas passo a solidão.

Não posso deixar que ela saiba que eu sei disso. Ficaria arrasada ao perceber que mais alguém sabe o seu segredo. Ser solitária, é incabível para alguém que se sente tão completa. E ela se sente, eu sei. Incompreensões a parte, não julgo Laura. Deve ser difícil mesmo.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

três cadeiras

Ele entra no bar e sorri para a recepcionista. Ela já sabe o seu nome e lhe dá boa noite. Ele escolhe uma mesa. Senta na que tem três cadeiras, tantas outras com duas, menos solitárias, para sentar e opta justo pela com três. Nessas outras duas cadeiras vazias poderiam se sentar a filha e a esposa que estão por chegar, ou dois amigos, ou uma namorada que usaria a outra cadeira para pôr a sua bolsa. Mas não, veio sozinho e voltará do mesmo jeito, como em todas as outras vezes.

Ele parece gostar do momento em que o bar enche e o garçom vai à sua mesa e pergunta: "Está esperando alguém? Posso pegar essa cadeira?" E faz o mesmo com a outra, e só faz a pergunta por educação, pois na verdade, já sabe que ninguém ocupará aqueles lugares.

Pois agora o homem senta na mesa com duas cadeiras, parece que ouviu o que eu pensei. Fico feliz por isso. Se eu ouvisse alguém pensar de mim o que eu pensei dele, nunca mais voltaria a sentar numa mesa com três cadeiras. Aliás, assumiria a solidão e sentava direto no balcão do bar.

Chego a pensar se algum dia ele chegará acompanhado. Ele tira o celular do bolso e checa a hora. Põe no bolso e tira pra checar a hora mais uma vez, como fazem as pessoas que olham as horas sem de fato olhar. Pede licença à recepcionista e diz que já volta. Ela deixa, pois viu que deixou o boné com a aba amassada na mesa e acredita que ele não seria capaz de sair e não voltar sem antes pagar a conta. Ela acompanha ele com o olhar e vê que pára em frente a um orelhão público. Fica lá por alguns minutos e retorna em direção ao bar.

Cumprimenta a recepcionista com um sorriso e senta novamente em sua mesa com duas cadeiras. Traz do telefonema um olhar triste e nostálgico. Bebe um gole de cerveja e olha para as duas cadeiras vazias. Toma outro gole. Tenho a impressão que ele vai para o balcão. Penso que se for, se sentirá menos solitário. E dessa forma, torço para que isso aconteça. Mas dessa vez acho que ele não me ouviu pensar. Apenas fica de pé ali ao lado da cadeira. E ao dar outro gole na cerveja tenho a impressão de que se desatou um nó que lhe prendia na garganta.