terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

três cadeiras

Ele entra no bar e sorri para a recepcionista. Ela já sabe o seu nome e lhe dá boa noite. Ele escolhe uma mesa. Senta na que tem três cadeiras, tantas outras com duas, menos solitárias, para sentar e opta justo pela com três. Nessas outras duas cadeiras vazias poderiam se sentar a filha e a esposa que estão por chegar, ou dois amigos, ou uma namorada que usaria a outra cadeira para pôr a sua bolsa. Mas não, veio sozinho e voltará do mesmo jeito, como em todas as outras vezes.

Ele parece gostar do momento em que o bar enche e o garçom vai à sua mesa e pergunta: "Está esperando alguém? Posso pegar essa cadeira?" E faz o mesmo com a outra, e só faz a pergunta por educação, pois na verdade, já sabe que ninguém ocupará aqueles lugares.

Pois agora o homem senta na mesa com duas cadeiras, parece que ouviu o que eu pensei. Fico feliz por isso. Se eu ouvisse alguém pensar de mim o que eu pensei dele, nunca mais voltaria a sentar numa mesa com três cadeiras. Aliás, assumiria a solidão e sentava direto no balcão do bar.

Chego a pensar se algum dia ele chegará acompanhado. Ele tira o celular do bolso e checa a hora. Põe no bolso e tira pra checar a hora mais uma vez, como fazem as pessoas que olham as horas sem de fato olhar. Pede licença à recepcionista e diz que já volta. Ela deixa, pois viu que deixou o boné com a aba amassada na mesa e acredita que ele não seria capaz de sair e não voltar sem antes pagar a conta. Ela acompanha ele com o olhar e vê que pára em frente a um orelhão público. Fica lá por alguns minutos e retorna em direção ao bar.

Cumprimenta a recepcionista com um sorriso e senta novamente em sua mesa com duas cadeiras. Traz do telefonema um olhar triste e nostálgico. Bebe um gole de cerveja e olha para as duas cadeiras vazias. Toma outro gole. Tenho a impressão que ele vai para o balcão. Penso que se for, se sentirá menos solitário. E dessa forma, torço para que isso aconteça. Mas dessa vez acho que ele não me ouviu pensar. Apenas fica de pé ali ao lado da cadeira. E ao dar outro gole na cerveja tenho a impressão de que se desatou um nó que lhe prendia na garganta.

3 comentários:

Fox Mulder disse...

Adoro ler (e escrever) textos assim, corriqueiros, sobre pessoas que não fazem idéia que tem alguém discretamente prestando atenção nelas e, por vezes, se entretendo com isso.
Espero que tenha mais de onde veio esse! =)
Beijos, meu bem!
;**

Nataly Callai. disse...

ai, lígia. você cresceu.
eu acho que esse deve ser o texto mais "maduro" do blog. eu gosto quando você conta coisas, ainda em primeira pessoa mas falando de outras pessoas.
o fim é lindo.
escreve mais.

Kelly Christi disse...

texto oteeemo, bem escrito, alias se aproxima muito do meu tipo de escrita, e que revela um lado da solidão e como alguém, um cara comum tenta sair dela e no fim,ainda assim, acaba sozinho.

mto bom

bjokas

http://www.pequenosdeleites.blogspot.com