segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Alice

Alice já tinha se acostumado a ler no ônibus. Aliás, para ela, esse era o único lugar em que as leituras fluíam e agora, sem suas viagens diárias, não conseguia ler quase nada. Então, em um dia cinza e chuvoso, Alice resolveu ir até o ponto de ônibus mais próximo e pegar o primeiro que passasse. Sentou-se no ponto e contou as moedas. Esperou abrir o livro dentro do ônibus para não interromper a leitura. Ela gosta mesmo ler várias páginas sem interrupções.

O ônibus demorava para chegar. Lembrou-se que naquele ponto realmente passavam poucas linhas. Enquanto esperava, observava as pessoas na rua. Viu um casal passando. Notou que ele estava chateado com ela. A garota tentou pegar na mão do namorado umas duas vezes e ele esquivou nas duas. Pararam pra discutir um pouco. O garoto falava enquanto ela ouvia com a cabeça baixa. Alice achou que ele disse a ela algo que não deveria. A garota levantou a cabeça e saiu brava. Ele ficou olhando a namorada ir embora. Ela olhou pra trás e gritou algo que Alice não conseguiu ouvir. Podia ter sido "Eu te amo, idiota". Mas achou que foi "Me esquece, idiota". Ele não voltou atrás dela. Alice pensou que não voltaria também, apesar de não saber quem fez o que de errado.

Alice então se distraiu com um senhor que passeava com o neto e o cachorro. A criança tentava guiar o cachorro pela coleira, mas o cachorro era forte demais e quase derrubava a criança. O avô achava graça apesar do neto se sentir envergonhado por não ter forças para levar um labrador para passear. Mas era labrador. Altamente compreensível umas criança de uns 6 anos não conseguir segurar. Alice lembrou do cão que teve na infância. Pensou em ter outro, mas logo em seguida se deu conta que seu futuro incerto não permitiria a responsabilidade de cuidar de um cachorro. Mas vontade não lhe faltou. Pensou em se oferecer para cuidar do cachorro do vizinho quando ele fosse viajar. Ficou de fazer isso quando voltasse para casa.

Enfim o ônibus chegou. Por pouco Alice o perde. Mas conseguiu ver a tempo. Subiu e pagou com moedas. O cobrador ficou feliz com o tanto de moedas trocadas enquanto Alice pensava que poderia ter colocado elas no cofrinho e pagado com a nota de 20 que precisava trocar. Mas deixou por isso mesmo. Sentou na cadeira mais alta do ônibus, aquela que fica em cima da roda. Para ela é a melhor que tem. Colocou a bolsa na outra poltrona para evitar que alguém sentasse ao seu lado. A graça de ler livro é ler sozinho. Para Alice, todas as pessoas que sentam ao seu lado enquanto lê, lêem junto com ela. E isso a deixa bastante desconfortável. Enfim abriu o livro e começou a ler. Tinha recém chegado a metade do livro. As vezes olhava para a cidade. Aquele trânsito de horário de pico combinava muito com a neblina que fazia desde de manhã. Leu alguns capítulos. Sentiu-se feliz com o que lia, apesar de que o que lia ser um tanto quanto triste.

Chegou até o ponto final do ônibus e teve que descer. Já havia lido mais do que planejava. Entrou em um café e pediu um pão de queijo e um suco. Refletia sobre o que lia enquanto comia. Se distraía olhando para o nada. De alguma forma que não entendia, e nem lhe cabia entender, sentiu-se plena. Sorriu sozinha. Pagou o lanche e voltou para casa.

4 comentários:

Fox Mulder disse...

Me encanta, essa tal de Alice
=0

mateus disse...

eu ia citar accept em "old habits die hard", mas de fato eles nunca morrem, só tiram um cochilo, ou por vezes hibernam, mas estão sempre ali, no cantinho, na espreita..

Daniel A. S. disse...

ua narrativa é muitoa, gosto quando misturam fatores psicológicos as narrações.

um abraço!

http://daniel.a.s.zip.net

franbogado disse...

Na lanchonete, ela pediu o de sempre, e como sempre, ao engolir o ultimo pedaço, se deu conta que acabara de lanchar sem sentir-lhe o sabor...

http://franbogado.blogspot.com